Ainda me lembro...
Ainda me lembro de um tempo que ficou para trás. Esse tempo me trouxe tudo que sou hoje. É um tempo que conjuga o passado, o presente e o futuro.
Vou contar a história:
Em um feriado de 15 novembro de um ano qualquer, fazendo uma especialização em psicologia analítica, fui à clinica de uma amiga para elaborarmos um trabalho.
O taxi chegou em um sobrado, uma árvore a sua frente, floreira e uma cortina singela em uma janela.
Aquela imagem me impactou. Pensei: essa deve ser a sala de minha amiga.
Toquei a campainha, ela me atendeu, muito simpática, mostrou-me a clínica, a sua sala (não era aquela que pensei) e uma sala vazia para alugar. Essa sim era a sala da janela com a floreira e a cortina.
E não pude mais viver sem ser terapeuta.
Quando iniciei essa especialização tive um sonho. Era assim: eu andava por uma rua, vestia uma capa e no bolso havia a minha identidade. Na terapia, compreendi que essa especialização me colocaria diante de minha identidade de terapeuta.
Isso se fez, sou e serei terapeuta.
Loquei a sala, atendi lá durante anos. O mundo dá voltas, fui atender em outros lugares. Hoje tenho um outro consultório.
No ano de 2019 um casal de amigos me convidou para jantar em um restaurante português, fui.
O uber estacionou no endereço fornecido pelos meus amigos. Para minha surpresa o restaurante era naquele sobrado onde foi meu consultório. Fiquei emocionada. Tudo diferente, mas semelhante. Contei a minha história ao garçom que me apresentou ao dono. Esse me levou a revisitar todo o espaço.
Adivinhem o que vi?! Bem no lugar da minha sala era a cozinha. Onde eu tinha as poltronas para os atendimentos era o fogão - bem grande. Mais emoção rolou.
Para a alquimia a cocção é um processo de transformação. O alquimista enquanto trabalhava para transformar o vil metal em ouro estava transformando a si mesmo.
Assim é o processo terapêutico: à medida em que a pessoa fala, expressa as suas histórias e vai se transformando naquilo que é o mais precioso de si mesma.
Detalhe: ser um restaurante português, foi outra emoção, pois essa a origem de minha avó materna; ela foi uma mulher bonita (por dentro e por fora), excelente na cocção de deliciosos pratos, muito me emocionou pensar nela naquele contexto e em minha origem portuguesa (assim como a italiana e a bugre). Na psique humana os elementos da nossa natureza se misturam, como na cocção.
Essas são partes das memórias de uma terapeuta.
Obs.: ainda tenho a cortina.
Ana Paula Escorsin - Psicóloga
Vou te sugerir um exercício de escrita livre: que tal você escrever sobre uma recordação significativa em sua vida?