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Transformação - o outro lado da crise

 

Neste artigo vou falar sobre um assunto da vida diária e uma questão que incomoda a todos. Vou abordar a crise, mas gostaria de enfocar o lado positivo da crise, quero abordá-la sob o viés da transformação.



Quem já não vivenciou momentos de crise? Como: filhos que saem de casa e vão estudar fora ou casam ou querem morar sozinhos, relacionamentos que terminam e os casais se separam, pessoas e familiares queridos que se vão, emprego que se perde, acidentes ou doenças que acontecem, situações que ocorrem e nos fazem mudar de profissão, de cidade ou de país, dentre tantas outras coisas.

Vocês já pararam para pensar se estes momentos serviram para alguma coisa em suas vidas? Eles vêm, muitas vezes sem aviso algum, e é preciso redirecionar atitudes, forma de pensar, de ver as coisas, requerendo da pessoa nova adaptação ao meio ambiente. Aprende-se com a crise. Por isso, falarei dela sob o enfoque da possibilidade de transformação.



Trabalharei o processo de crise e transformação sob a ótica da psicologia analítica. Ela foi proposta pelo médico psiquiatra Carl Gustav Jung, que viveu na Suíça, no período de 1875 a 1961. Jung, enquanto psiquiatra, fez algo importante para a doença mental, pois até então era diagnosticada e muitos pacientes internados em hospitais psiquiátricos. Jung começa a escutar as alucinações, os devaneios daqueles pacientes e descobre que havia uma vida psíquica, que havia material psíquico nos conteúdos expressos pelos pacientes. A proposta da psicologia analítica por ele estruturada, é de uma psicologia que inclui os conteúdos inconscientes.



Nas abordagens psicológicas, existe o que chamamos de psicologia do eu, são aquelas linhas que trabalham com o individuo e com seu comportamento e existem outras vertentes que consideram que há no indivíduo uma atividade subconsciente, a qual denominam de inconsciente.

Para a psicologia analítica, o inconsciente é visto como tendo importância à vida psiquica de um indivíduo. O inconsciente é um guia e um conselheiro. Mas como podemos percebê-lo? Através dos sonhos, das fantasias, num momento de intuição ou num processo de intensa reflexão.  E é deste processo de intensa reflexão que falarei, popularmente denominou-se de crise (ou depressão ou cansaço ou apatia ou desanimo).



Considero importante trazer à conversa alguns conceitos sobre o funcionamento psíquico dos indivíduos. O primeiro deles são os instintos, que são nossas marcas, nossas vontades e desejos, como por exemplo: fome, sede, necessidades sexuais e noção de preservação da espécie. Outro conceito é o de libido, que é a nossa energia em movimento, é o que nos move, é o que move nossos instintos, todo o funcionamento do indivíduo é carregado de libido ou energia. Esta energia é dinâmica, manifesta-se em nossos quereres, nos afetos, na produção de trabalhos, numa dona de casa ao cuidar dos afazeres doméstico e da família.



Ocorrem três fenômenos importantes com a libido. O primeiro é a progressão da libido, caracterizado pela satisfação de nossas vontades, pelos instintos sendo realizados, a vida caminhando em direção à satisfação e à adaptação do sujeito ao meio ambiente. O segundo é a repressão da libido, a energia que estava em movimento, de repente para, ocorre algo no meio que o indivíduo vive que impossibilita que suas necessidades sejam satisfeitas da mesma forma. A energia que até então fluía, de repente para. Vejamos um exemplo: pensem num rio, a água do rio corre normalmente, mas uma enorme árvore cai no leito do rio e impede que a água continue fluindo, o que vai acontecer com a água? Ela para, fica represada. Outro exemplo: o relacionamento entre um casal que ia bem, tinham suas necessidades de afeto e carinho satisfeitas, mas algo ocorre que os leva a se desentender, culminando numa separação, o que para eles seguia de um jeito, de repente se desestabiliza.



O terceiro fenômeno que ocorre com a libido é a regressão. Vejamos o que significa a regressão: o sujeito que viveu uma situação em que sua energia ficou paralisada após a vivência de uma situação difícil, não consegue visualizar um futuro ou encontrar outro sentido para sua vida. Na regressão a pessoa retorna seus pensamentos ao passado, como se em algum momento do passado as coisas fossem melhores, é quase como se quisesse viver naquela época onde tudo fluía como conhecia.



São estes estados de repressão e de regressão da energia, que conhecemos como o momento de crise.

Vamos agora falar uma outra parte da psique que pode ser um complicador ou um facilitador para estes momentos de crise. Vamos falar da estrutura do eu (ou ego). O eu não quer mudar, nós buscamos o conforto, a homeostase (manter o nosso ambiente interno em uma condição estável), queremos sempre retornar à uma sensação de prazer (como a de uma criança) com todos os instintos satisfeitos. Por isso a repressão e a regressão da libido doem, por isso são vistas como crise. Quando uma pessoa passa por uma situação difícil e ela fica por muito tempo com a energia represada ou essa energia regride a passados longínquos ocorrem as doenças emocionais, mentais ou físicas.



Uma pessoa adulta não pode ficar por muito tempo nesse processo de repressão ou regressão, a vida exige novas respostas, a energia precisa novamente seguir em frente. Mas como se dá então essa saída? Nestes momentos de crise - de intensa reflexão -, quando a pessoa consegue com ou sem ajuda terapêutica (psicoterapia, médico, coaching), rever seus valores, reconhecer seus sintomas, ouvir seus sonhos, quando o eu ajuda a buscar o novo, um outro processo de adaptação se inicia. Falo em ouvir os sonhos, pois para a psicologia analítica o sonho é uma das formas de expressão que o inconsciente utiliza para trazer à consciência os novos caminhos que aquela pessoa deve seguir em sua vida.



Este novo momento que se inicia na vida da pessoa é o que chamamos de transformação.

Tudo o que conversamos aqui é dinâmico, ocorre a todo instante, às vezes, nem tomamos conta. A crise está presente em varias situações, o interessante é a evolução favorável de uma crise, quando conduz a pessoa a um crescimento, a criação de um novo ponto de equilíbrio, quando traz um reforço para sua forma de ser e para sua capacidade de reação, ou seja, quando transforma.

Gosto de pensar que se retirarmos uma consoante da palavra crise, ela muda para crie. Diante de um momento de mudança - a crise virá -, mas não fique nela, reflita, crie, transforme, transforme-se.

 

Ana Paula Escorsin – Psicóloga. 

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