Essa tal ansiedade
Essa tal ansiedade (*)
Em um determinado grau, a ansiedade faz parte (sempre fez) do ser humano.
A pergunta é: quando a ansiedade se transforma em aspecto negativo (ou no dito “transtorno”)?
A vida cotidiana deixa marca emocional, não tem como não deixar. Ser impactado por situações e por emoções é do humano, que não é só constituído por um corpo e uma mente, mas também por um sistema psíquico. Neste último, encontram-se arquivadas todas as emoções – conhecidas e desconhecidas – e as vivências de uma pessoa, além da história da humanidade.
A ansiedade passa a ser negativa, quando os estados emocionais vão se acumulando dentro da pessoa. Caso esses não possam ser percebidos, transformam-se em manifestações, as quais podem aparecer em forma de excesso de preocupação, inquietação, medo, pressa, impaciência, dificuldade de concentração, irritabilidade, dores musculares, dificuldade para dormir, entre outras.
Ela começa escondida, internamente. Vamos fazer um paralelo com a panela de pressão, está lá cozinhando, mas se a válvula entope o que acontece? Explode.
Quando os sintomas vêm para o externo a ansiedade já estava lá – latejando - dentro da pessoa.
Saber reconhecê-la, lidar com ela para que não exploda em forma de sintoma, é uma tarefa de cada um de nós para consigo e para as relações com aqueles que amamos.
A ansiedade está associada à noção de tempo. O que isso significa? A pessoa está no presente, porém no interior de seus pensamentos é como se ela estivesse já no depois – no futuro – e muitas vezes em um futuro catastrófico.
Gosto de pensar no Coelho Branco da Alice no país das maravilhas, ele fala:
- “Minha nossa! Minha nossa! Vou me atrasar demais”
- ... “como está ficando tarde.”
Vamos analisar o porquê de ele sentir que vai se atrasar. Aí entra outro personagem: a Rainha de Copas. Ela mandou cortar a cabeça do Coelho. Mas ela sempre usa o mesmo repertório de fala. Diz: - “Cortem a cabeça”.
O Coelho tem essa sensação de atrasado e de estar ficando tarde porque ele tem uma ameaça. Cortar a cabeça, o que significa? Está relacionado a sair um pouco do mundo do pensamento. Para nós ocidentais, os pensamentos se localizam na cabeça (mente). Há povos que localizam os pensamentos no coração, para representar que o pensamento se harmoniza com as emoções. Pensar com a cabeça, exclui o restante do corpo e as emoções.
É regra da mente que os espaços vazios não podem permanecer assim. Quando há espaço desocupado a mente produz pensamentos (que na ansiedade são os ruins).
Segurem um pouco está história.
Vamos falar mais sobre o tempo, pois um inimigo da ansiedade é a noção do tempo. Vou pegar outro gancho: a mitologia grega. Para os gregos representarem o tempo, eles consideravam três deuses.
Primeiro veremos Krónos. Ele simboliza o tempo marcado. De Krónos originam-se palavras como: cronológico e cronômetro. Esse deus, conforme retrata Hesíodo (na Teogonia), casa-se com Reia, e consulta o oráculo, por receio de ter filhos. O oráculo lhe diz que um dos filhos mataria o pai. Em razão dessa maldição, Krónos engole os filhos, exceto um que fora escondido (Zeus), e esse último filho de fato o mata, e os irmãos são vomitados.
O que aprendemos sobre a ansiedade com Krónos? Na ansiedade a pessoa não consegue lidar bem com uma situação do presente, o que ela faz? Consulta um oráculo - os seus pensamentos – dá livre vazão a eles, que os leva a visualizar um futuro catastrófico. Em razão da previsão ruim desse futuro, a ansiedade toma conta das ações. Pode ser que esse futuro até se realize, não que a pessoa seja, por exemplo, incompetente, mas porque ela pode deixar de fazer algo, em razão do pensamento ruim gerado.
Na mitologia tem outros deuses para representar o tempo. O segundo que veremos é Aión. Refere-se ao eterno e ao tempo cíclico. É geralmente representado como um jovem nu ou seminu dentro de um círculo com desenhos das estações do ano ou das fases da lua ou dos signos do zodíaco. O círculo com tais representações denota o tempo em seu eterno retorno, ou seja, cíclico. Por exemplo: após uma lua cheia logo outra se seguirá.
O que Aión nos ensina em relação a ansiedade? Calma, tudo retorna, anoitece, mas, a seguir, um outro dia virá, diferente, é claro. Aión não aponta para o tempo igual, mas sim ao seu retorno em ciclos.
O terceiro deus que vamos falar aqui é Kairós. Representa: o momento certo, uma ocasião indeterminada em um tempo em que algo específico acontece, o tempo momentâneo e uma oportunidade específica. Significa que o melhor instante está no presente, momento em que se afasta o caos e a rigidez e se abraça a oportunidade. Ele é representado por um homem em um cavalo, que é careca na parte de atrás cabeça e tem um tufo de cabelo na testa.
O que aprendemos com Kairós? Quando a ansiedade toma conta, perde-se o momento oportuno, uma vez que o pensamento está maquiando um futuro negro. Kairós (ou a oportunidade) só pode ser pego no exato momento que está passando, nem antes e nem depois. Para isso o movimento do corpo, da mente pensante e os sentimentos precisam estar calmos e alinhados no momento presente.
Vamos trazer para a conversa Hipócrates (460 a.C. – 377 a.C.), médico grego considerado o pai da Medicina. Ele falava que as doenças evoluem de forma silenciosa até alcançarem o momento crucial chamado de Krisis (crise), esse seria o momento que a doença se define, para a cura ou não. Dizia ele que o bom médico deveria identificar o momento crucial ou oportuno (Kairós) de agir.
O que Hipócrates nos traz sobre a ansiedade? Aprende-se com ele que é importante reconhecer que uma possível crise de ansiedade pode estar se instalando. Como ela pode ser percebida? Nos estados emocionais que falamos acima, ou seja, nos excessos: de preocupações, de agitação, de pensamento, no fazer rápido, entre outros.
Vamos juntar o Coelho Branco, a Rainha de Copas, os três deuses da mitologia grega e o conceito de Krisis de Hipócrates com a ansiedade.
As ideias recorrentes na ansiedade, como por exemplo: atrasar, não vai dar tempo e ter que fazer tudo, se passam dentro da cabeça da pessoa (nos pensamentos) e aparecem em comportamentos agitados. A pessoa passa a responder sempre da mesma forma. Perde a noção de tempo. Só há um tempo, o do relógio (do agora) e o pensamento que vai para um futuro negro. Esse pensamento que voa é como uma forma de aliviar a tensão da fixação no tempo presente. Em razão desse futuro catastrófico, a pessoa tende, no tempo presente, a sentir que não está pronta, que não está bom e que tem que fazer mais. E vira um círculo que é vicioso.
Como lidar com a ansiedade?
Por de trás de uma situação de ansiedade habita escondida alguma experiência de vida que gerou emoções, essas não puderam ser ouvidas ou lidadas e se acumularam dentro da pessoa. Com o tempo as emoções guardadas passam a gerar, em algumas pessoas, sintomas de ansiedade.
Quando uma emoção chega a um ponto de grande intensidade, ela já não se expressa em palavras, mas de maneira fisiológica. A emoção não consegue deixar a pessoa através da boca, mas através dos órgãos e dos comportamentos. Vimos os comportamentos que a ansiedade se expressa. E qual órgão que a ansiedade afeta? Aqueles acima do diafragma – responsáveis pela respiração e pelo batimento cardíaco. A ansiedade acarreta tensão respiratória e palpitação, pois uma forma das emoções saírem é também através da respiração e do acelerar cardíaco. E são justamente as emoções que precisam ser lidadas.
O corpo e o sistema psíquico funcionam juntos. O psíquico quando se manifesta, vai contra nós, ou seja, ele vai contra os desejos do eu consciente. Porque o psíquico é também constituído de aspectos desconhecidos (que são inconscientes – como as emoções e algumas histórias vividas).
A psicoterapia possibilita à pessoa olhar para dentro de si. Sistematiza a experiência de interiorização. É no processo de interiorização que a pessoa encontra seu ‘eu individual’.
A psicoterapia acalma e aclara a mente. Por quê? Possibilita que sentimentos, pensamentos e corpo estejam interligados.
Existem outras formas de cuidar da ansiedade, como o yoga, outras terapêuticas e a psiquiatria.
(*) Esse artigo foi elaborado em decorrência de uma vivência realizada pela Fisioterapeuta e Professora de Yoga – Ana Caroline Oishi, @anaoishi – e por mim, no Ateliê de Yoga.
Ana Paula Escorsin – Psicóloga.
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